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quarta-feira, 17 de julho de 2013

O CONSELHO CÉTICO DE HOUDINI



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Texto escrito por Michael Shermer

Postado por Alessandro Carvalho 


Antes de dizer que algo é de outro mundo, certifique-se primeiro de que não pertence a este mundo.

Sir Arthur Conan Doyle foi o brilhante autor das histórias populares do detetive Sherlock Holmes, que celebrava m o triunfo da razão e da lógica sobre a superstição e a mágica. Infelizmente, o médico escocês que virou escritor não aplicava as habilidades cognitivas de sua criação quando se tratava de espiritismo, movimento que florescia no início dos anos de 1900: ele caiu cegamente na simplória fraude das fotografias das Fadas de Cottingley e participava regularmente das sessões para fazer contato com membros de sua família mortos na Primeira Guerra Mundial, especialmente seu filho – Kingsley. Talvez, apropriadamente, a fama de Conan Doyle o levou a conhecer o maior mágico de sua época, Harry Houdini, que não suportava farsas.

Em 1922 Conan Doyle visitou Houdini em sua casa em Nova York, onde o mágico preparou uma encenação para demonstrar que a escrita mediúnica na ardósia – método favorito entre os médiuns para receber mensagens dos mortos que supostamente moviam um pedaço de giz pela superfície de uma tábua de pedra – poderia ser feita de maneira perfeitamente prosaica. Houdini disse para Conan Doyle pendurar a peça de ardósia em qualquer lugar da sala de modo que ficasse livre para balançar livremente no espaço. Mostrou ao escritor quatro bolas de rolha, pedindo que ele escolhesse uma delas e a cortasse para provar que não havia sido alterada. Em seguida, pediu para Conan Doyle escolher outra bola e mergulhá-la em um pote de tinta branca. Enquanto a rolha encharcava, Houdini pediu a seu visitante para descer a rua em qualquer direção, pegar um pedaço de papel e um lápis e escrever uma pergunta ou uma sentença, colocá-lo de volta em seu bolso e retornar à casa. Conan Doyle concordou, rabiscou rapidamente "Mene, mene tekel, uphasin", um enigma extraído da Bíblia, do livro de Daniel, que significa: "Foi contado e contado, pesado e dividido".

Escolha muito apropriada, tendo em vista que o que aconteceria em seguida desafiaria qualquer explicação, pelo menos na mente de Conan Doyle. Houdini fez com que ele recolhesse a bola encharcada de tinta com uma colher e a colocasse contra a ardósia, onde ela grudou momentaneamente antes de rolar lentamente por sua superfície, soletrando:"M", "e", "n", "e", e assim por diante até que a frase toda estivesse completa, em cujo ponto a bola caiu no chão. De acordo com William Kalush e Larry Sloman, na biografia que escreveram em 2006 – The secret life of Houdini (Atria Books), nessa ocasião, o mestre mistificador ensinou a Conan Doyle a lição que ele – e por analogia qualquer pess oa que se impressionasse com mistérios dessa natureza- precisava conhecer: "Devotei muito tempo e ideias para criar essa ilusão... Não vou lhe contar como foi feita, mas posso lhe assegurar que se trata de puro truque. Fiz esse truque usando meios perfeitamente normais. Planejei-o para demonstrar ao senhor o que pode ser feito nesse sentido. Agora, eu lhe imploro, não conclua que certas coisas que você vê sejam necessariamente 'sobrenaturais', ou obras do 'espírito', só porque não consegue explicá-las".

Lamentavelmente, Conan Doyle continuou acreditando que Houdini tinha poderes psíquicos e conexões espirituais que empregava em suas famosas escapadas.

Essa questão é chamada de argumento da ignorância ("isso deve ser verdade porque não foi provado ser falso") ou, algumas vezes, de argumento da incredulidade pessoal ("porque não consigo imaginar uma explicação natural, não pode haver uma"). Esse tipo de falsa racionalidade surge com tanta frequência em meus encontros com pessoas de fé que chego à conclusão de que deve ser produto de um cérebro insatisfeito com a dúvida; a ssim como a natureza abomina o vácuo, também o cérebro fornece uma explicação, não importa o quanto improvável seja. Assim, anomalias normais se transformam em paranormais, fenômenos naturais transmutam em sobrenaturais, objetos voadores não identificados viram espaçonaves extraterrestres e coincidências se tranformam em conspirações.

O princípio de Houdini prega que só porque uma coisa é inexplicável, isso não significa que seja paranormal, sobrenatural, extraterrestre ou conspiratória. Ou em outras palavras, não é porque você não consegue explicar um fenômeno que ele é inexplicável. você não conhecer a explicação de um fenômeno, não quer dizer que este fenômeno não possua uma explicaçã. Antes de afirmar que algo não é desse mundo, certifique-se primeiro de que não pertence a este mundo, uma vez que a ciência se fundamenta no naturalismo e não no sobrenaturalismo, paranormalidade ou quaisquer outras explicações desnecessariamente complicadas.

fonte: Texto de Michael Shermer para a coluna "Cético - Uma visão racional do mundo" da Revista Scientific American Brasil de março de 2011

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